agosto 29, 2017

ousadia

transparency
© Fanny Nushka


era em ti que me ia esconder
dentro dos teus negros olhos
refugiado nos teus cabelos
protegido no teu regaço
era em ti que ia viver
a respirar o calor do teu corpo
fortalecido na ternura dos teus braços
escondido no bater do teu coração
ousei
usar-te como refúgio
do meu triste viver
não é de desculpas que falo
é do que não vês
do que nunca irás sentir
não há maior ousadia que viver no outro

encomenda da alma

la muerte de Casagemas, 1901,
Pablo Picasso


Imbuído de espírito, de sacrifício e outros, embarquei num dia, após o repasto do almoço, a uma viagem ao pinhal interior, para encomendar uma alma, ajudar a encomendar. Sou bastante reticente ao encomendar de almas, há algo de muito violento nas manifestações de dor dos mais próximos, e sobretudo no enterrar do corpo, a vala funda, o som da terra a bater na madeira enquanto a vala se tapa. Mas retomando ao velar, a pequena capela daquele pequeno lugar, levou cerca de 30 almas que ali estiveram em silêncio. A encomendar a alma, chorando e recordando bons momentos com a alma. Estou embrenhado em pensamentos, o silêncio era propício, quando uma octagenária, surda certamente, me inquiriu de forma audível a quilómetros e ampliada pelo silêncio: o senhor padre não vem aqui encomendar a alma?  A medo perante as dezenas de olhares ousei retorquir: sim vem, pelas 16h. A resposta, e a finalidade da pergunta, veio logo de seguida: o senhor padre está atrasado. Não resisti, e alvitrei: a alma não foge. Ora quando a língua é mais rápida que o cérebro somos fuzilados por olhos de muita reprovação. Finalmente o senhor padre, o que tem mais força na encomenda da alma, chegou. Ainda tentou pregar a alegria, afinal a alma vai para a vida eterna, em tudo melhor que a terrena. Que assim seja. Mas a separação física, a privação da companhia dói muito.

agosto 25, 2017

Granta


Alguém leu? Este número ou anteriores? É tão bom como parece?

Agradeço opinião!


http://www.tintadachina.pt/granta/history.php

A Granta é uma revista literária de publicação semestral, dirigida por Carlos Vaz Marques.

Não é uma revista de actualidade, nem jornalística. Os textos que a compõem têm valor pela sua qualidade literária, independentemente do género – ficção, ensaio, reportagem ou outro. A importância dada à escrita, à sua forma, é maior do que a que habitualmente se dá num jornal. Haverá ainda textos inéditos de autores que já morreram, bem como ensaios fotográficos. E haverá espaço para se publicarem pessoas com talento e que ainda não tenham sido publicadas: a Granta britânica desempenha desde sempre este papel de revelar novos autores; a Granta portuguesa iniciará este trabalho em Portugal.

Fundada em 1889 por estudantes da Universidade de Cambridge como The Granta, um periódico de política, humor e iniciativa literária estudantil, baptizado com o nome do rio que banha a cidade, a revista publicou, entre outros, os primeiros trabalhos de Sylvia Plath e de Ted Hughes. Renasceu em 1979 como Granta, divulgando a obra de muitos escritores que viriam a ser internacionalmente reconhecidos.

Neste momento, a Granta já tem edições no Brasil, em Espanha, em Itália, na Bulgária, na Noruega, na Suécia, entre outros países. Uma das grandes vantagens que estas edições têm é o acesso ao imenso baú da Granta, onde estão disponíveis para publicação textos de dezenas de autores incontornáveis, como Martin Amis, Saul Bellow ou Salman Rushdie. A Granta portuguesa será composta, em partes iguais, por textos da edição inglesa ou de alguma das outras edições-irmãs e por material de autores portugueses, que serão convidados a escrever textos inéditos.

agosto 23, 2017

Memória tal como...

© Jack Vettriano

Memória tal como, ou o mar, esse velho amigo

Faz vários dias já, que passam, e não me lembro de ti. Como um calmo perder, estás a passar a memória. Logo tu, que deverias ter sido imaginação. Como o fumo que expulso, intenso no início, para logo se dissipar. É sempre a ver o mar, esse velho amigo. Como a espuma das ondas que atraca em terra firme, branca e forte, e logo desaparece a meus pés. Como o contar da cadência das ondas, que começo enérgico para me perder na quarta ou na quinta. O mar, esse velho amigo, que me puxa ao recôndito da alma. Que assim seja e continue.

agosto 21, 2017

tempo, certo

© Eugene Richards

Havia ali deleite, os olhos a brilhar, o sorriso aberto a escutar a conversa, mas sem se desfocar do prazer em mãos. O ar guloso de uma criança a comer um gelado chega à obscenidade. Tenho saudades. Hoje, como gelados, mas não chego aquela alegria. Experimentei o escorrega de água, mas não cheguei nem perto do prazer e da efusividade da criança. Tenho saudades de ser criança. Ou será que tudo tem o seu tempo? Tudo tem o seu tempo. Chamam-lhe vida. Que nostalgia me atacou. Não confundir com tristeza, é só saudade. Esta não tem que ser triste. Recordei ainda na adolescência as manhãs na esplanada do parque a ler o DN, e as tardes a ouvir música e a ler. E se o dia estava nostálgico, melhorou, pois à noite fui ver GNR. Recordar Vídeo Maria, Efectivamente, Homens Temporariamente Sós ou Morte ao Sol. A voz do Reininho já lá não vai, mas a banda toca melhor que nunca.

Ficas a aprender
Mais vale nunca
Nunca mais saber
Mais vale nada 
Nunca mais beber
Mais vale nunca mais crescer

Agora é a doer
Mais vale nunca 
Nunca apetecer
Mais vale nada 
Nunca escolher
Mais vale nunca mais crescer




mais vale nunca, GNR


agosto 18, 2017

opções

© Frans Lanting

 objectivos, ideias e vontades a concretizar.

1-comprar uma mota, tipo Harley, e palmilhar alcatrão sem fim

2-ir a Nova Iorque torrar dinheiro em bares a beber whiskey e ver jazz de improviso, não há como aqueles bares nas caves dos prédios velhos.

3-aprender a tocar piano

Este post funciona como um processo de interiorização de uma ideia.

Entretanto, Setembro está aí, a viagem por decidir... O ano passado Madrid foi soberbo. Este ano há dúvidas, muitas dúvidas.

Loucuras, intermitentes.

Se bem me conheço, vou juntar o dinheiro para a Harley, e no fim acabo em Nova Iorque no jazz obscuro e divino. O piano é um caso sério.

agosto 17, 2017

ridiculo

© JR
Holy Triptych

Hoje
Há qualquer coisa de estranho nas pessoas que se auto convencem que são, ou estão, felizes.

A felicidade além de efémera, é algo ao alcance de poucos.
Não digo que é impossível. 

O melhor exemplo é a necessidade de se mostrar publicamente que se está feliz através das redes sociais, publicando fotos do amor da vida e dos lugares onde se está (ou esteve). Procurar  assim a aceitação social, medido pelo número de gostos dos outros convivas sociais. Por vezes, estes gestos ganham contornos sinistros, e de algum voyeurismo.

É estranha esta necessidade de se afirmar mais normal socialmente que os demais.

Este querer parecer ser, é ridiculo.

É, mas não seremos todos?

agosto 13, 2017

xennial




Fonte: Observador

Xennial. Eis a geração dos nascidos entre 1977 e 1983

São a última geração que se lembra como era a vida antes da internet. Não são descontentes como a Geração X nem otimistas como os Millennials. Já não são uma ponte entre ambas. São os Xennials.
Nem Millennials nem Geração X. As pessoas nascidas entre 1977 e 1983 não se identificam com nenhuma das duas. A geração que tem agora entre 34 e 40 anos serve como uma ponte entre a geração que a antecede, a Geração X, e a que a precede, os Millennials. Mas agora, tem um nome próprio.
A publicação relata ainda que os Xennials tiveram uma “infância analógica e uma vida adulta digital” e defende que a geração tem quer o cinismo da Geração X como o otimismo dos Millennials.
A geração Xennial é a última que se lembra como era a vida antes da internet mas sabe bem como é a vida com a sua existência. Têm idade suficiente para ter vivido umainfância sem internet mas passaram as suas vidas adultas online.



agosto 11, 2017

autógrafo

Com um aperto de agenda, um desvio de quilómetros considerável, lá levei os meus intentos a bom porto.
Conhecer pessoalmente gente nova (que não de idade necessariamente) é algo que faço com profundo prazer. Juntando a actividade profissional e os anos de vida estou relativamente experiente na matéria.

O sorriso inicial, sincero e honesto, e os olhos, não mentem, é boa gente. Falámos de casamento, filhos, da vida, da mesquinhez das gentes, do futuro, da escrita. Há vidas que não são fáceis, mas ver alguém encarar todas as diabruras da vida com um sorriso, é fantástico.

Uma curiosidade: há pessoas que não conseguem escrever prosa sem serem minimamente autobiográficos, outros há, como eu, para quem a imaginação é tudo. Acho isto deverás interessante.

Confesso que ia na expectativa de conhecer duas pessoas, mas isso era só uma suposição.

Fez-me bem, no fundo é isso.

Já que pouco escreves, que o teu homem não deixe de o fazer.

Não te esqueças, Miguel é um nome muito bonito.

Um grande beijinho, e dá um abraço ao marido.

Obrigado, sincero.


agosto 06, 2017

gurmê

Gourmet |gurmê|
(palavra francesa)

1. Pessoageralmente entendida em vinhos e em gastronomiaque preza a qualidade e o requinte culinários.

2. Diz-se de produto de elevada qualidade para uso culinário.

Plural: gourmets.


Chef Kiko em acção
no espaço A Cevicheria


Este vosso amigo tem uma relação de amor com a comida, e como tal é assunto muito sério. Portanto, publicamente, aviso que me irrito facilmente com disparates sobre a comida. E há muitos dislates sobre o gourmet. 

Gourmet é comida feita com os melhores ingredientes. O que não implica um chefe, um cozinheiro basta. Exemplo, o ano passado a Serra de Monchique sofreu um forte incêndio que destruiu o medronho. Ora este ano foi difícil arranjar bagaço de medronho, que é provavelmente o melhor ingrediente para o bagaço (na minha mui humilde opinião) - é o ingrediente que conta.

As doses não são pequeninas, porque tiram uma fotografia a um prato, a um prato de 8 a 10 pratos que por norma compõe o menu degustação de um chefe, logo não queriam dois andares de comida em 8 pratos pois não.

Ficou claro?

Que pena hoje todos falarem e fotografarem comida... o meu nicho é agora uma praga, quase banalizada em disparates...

Também prolifera o conceito de foodie, mas isso explico outro dia.

Não me olhem assim, eu também tenho um lado maçador. 

Mas se as senhoras gastam dinheiro em roupa e calçado, pinturas e cremes carregados de elixir da juventude, se os homens gastam fortunas em carros, motas, na pesca ou na caça, eu gasto em estrelas Michelin e comida gourmet.

Não podia ser perfeito, pois não!

agosto 05, 2017

que amor não me engana

Obrigado, Isabel Pires, e ainda bem que achas que assenta em mim. Fantástico post sobre Zeca Afonso, com texto muito bom de Ricardo Romano.


Que amor não me engana
Com a sua brandura
Se da antiga chama
Mal vive a amargura
Duma mancha negra
Duma pedra fria
Que amor não se entrega
Na noite vazia?
E as vozes embarcam
Num silêncio aflito
Quanto mais se apartam
Mais se ouve o seu grito
Muito à flor das àguas
Noite marinheira

Vem devagarinho
Para a minha beira
Em novas coutadas
Junta de uma hera
Nascem flores vermelhas
Pela Primavera
Assim tu souberas
Irmã cotovia
Dizer-me se esperas
Pelo nascer do dia

Zeca Afonso

© Resistência
Mano a mano
Que o amor não me engana





perguntas


© epsilon delta
fotografia digital


De onde me vens?

Do cheiro da terra molhada, após a chuva.

Do sentir dos pés a enterrar na areia mole, tapados pela espuma do mar maior.

Da alegria do cansaço das corridas ao nascer do sol.

Do som poderoso das ondas a escavar as rochas mesmo ao lado da minha praia.

Do silêncio bom de ficar em estaca a olhar a serra da pedra.

Do prazer de ser engolido pelo nevoeiro imaginando a nossa nuvem.

Porque te vejo eu em tudo o que amo?

Porque não te vejo eu?


agosto 02, 2017

bodas

as bodas de Caná
de Paolo Veronese



naquele dia faz-se um ritual, não há certezas do futuro. naquele dia ninguém sabe, o casamento é um teste de longa duração, uma vida. uns sobrevivem, outros [muitos] definham e morrem. é no definhar da relação humana que o amor é posto à prova. é nós testes intercalares da relação que se prova e demonstra o verdadeiro amor. sim, não é naquele dia, em que tudo é bom no outro. não. não é.

é fácil, naquele dia, o dizer "... na alegria e na tristeza, na saúde e na doença, na riqueza e na pobreza, amando-te...". é só o toque de partida, sempre numa vida é difícil. aqui não há atalhos.

e será o amor isso mesmo? dar ao outro tudo, sem nos anularmos. perdoar e abdicar. será? ver no outro nós próprios. amar não é só sexo, ou o riso cúmplice quando ambos se reconhecem no outro. amar é resiliência. é estar sempre lá, mesmo quando não queremos. mais adiante, é um olhar, um dar a mão, dizendo presente.

poucos o conseguem, cada vez menos, a maioria nunca provou o verdadeiro amor.

estes aqui sentados não sei...

[...]

a sala do banquete mantém a decoração da época, paredes, tectos e chão, velho mas bonito, elegante. estes palacetes do século XVIII, ainda cheiram a duquesas e marqueses, a intriga, a amores proibidos, a ócio.  entre os convivas andam descendentes de alguns. inócuos como seres vivos, na sua maioria. as senhoras falam, vazias, da última loja da avenida, e daquela semana de férias em Miami, eles conspiram ao fundo, misturados no fumo dos charutos e do cheiro do armagnac, que roçava a divindade. salva-se a alegria das crianças em correria constante da mesa aos bonitos jardins do palacete. era capaz de jurar que vi a mais inocente troca de beijos atrás de uma acácia branca... o catering era de um famoso chefe, mas o meu contragosto esvaziou-me o paladar.

difícil foi voltar a caber dentro da aba de grilo, amarrado, sem respirar, sobraram-me apenas as pontas dos dedos e a imaginação.

não obstante, a farda assentou lindamente naqueles passos mágicos do tango.